Medidas de Coacção

ProReos > Crime > Medidas de Coacção


Medidas de Coacção – Termo de Identidade e Residência, Obrigação de Permanência na Habitação e Prisão Preventiva

Pese embora o desconhecimento geral sobre os meandros do processo penal, muito se comentam as medidas de coacção, sem que, na verdade, se perceba ao certo a sua abrangência. 

Face à manifesta necessidade de se explicar, de forma clara e concisa, o que são medidas de coacção em processo penal, nasce o presente estudo com especial enfoque nas medidas Termo de Identidade e Residência, Obrigação de Permanência na Habitação e Prisão Preventiva.  

Não podíamos, antes de imergirmos na aludida explanação, deixar de fazer referência ao facto de que toda a pessoa se considera inocente até trânsito em julgado de sentença que a tenha condenado, conforme postula o n.º 2 do 32.º artigo da Constituição da República Portuguesa (CRP) e o n.º 1 do 11.º artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). 

Coacção – constrangimento que se impõe a alguém para que faça, deixe de fazer ou permita que se faça alguma coisa; imposição; (do latim coactiōne-, «idem», de coactu-, particípio passado de cogĕre, «forçar; apertar). (Em https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/coa%C3%A7%C3%A3o).
Uma vez que a fase de inquérito começa sempre com a notícia/suspeita da prática de um crime, o Ministério Público (MP), titular da acção penal, tem o ónus de investigar «desconsideremos, para a presente dissertação, os diferentes tipos de crime e as restrições à legitimidade do MP». 

Havendo fundadas suspeitas da prática de um crime, procede-se à constituição de arguido – qualidade, no processo, de pessoa contra quem corre inquérito sobre a prática de um crime ou contra quem é deduzida acusação ou, ainda, requerida instrução. Com a constituição de arguido, formalmente, dá-se a conhecer a uma determinada pessoa a existência de um processo penal no qual ela assume a posição de suspeita e pode – ou virá a – ser julgada.

O arguido adquire direitos (v.g., direito a ser assistido por defensor – Advogado – em todos os actos processuais em que participar e, quando detido, comunicar, mesmo em privado, com ele) e deveres (v.g., sujeitar-se a diligências de prova especificadas na lei).

Recai, igualmente, e em especial, o dever de prestar Termo de Identidade e Residência. 

Antes mesmo de explicarmos esta medida, porquanto se tratar da menos gravosa das medidas de coacção, vamos perceber melhor a definição de medidas de coacção: 

Medidas processuais que, condicionando a liberdade do arguido, visam garantir o contacto com o mesmo, a não repetição da actividade criminosa e a produção de certos efeitos processuais. (Em linha https://www.ministeriopublico.pt/perguntas-frequentes/medidas-de-coacao).

Tal definição parece-nos enferma, porquanto remete para a convicção dos actos criminosos terem sido praticados pelo arguido – a não repetição da actividade criminosa.

É de suma importância percebermos tratar-se de medidas, ab initio, vocacionadas para garantir, pela sua aplicação, a continuação do processo, levando este a conhecer o seu fim. Apenas, e só, depois de nos pautarmos por este entendimento, poderemos explicar o juízo de prognose a ser feito na escolha da medida aplicada, da menos à mais gravosa. 


O Termo de Identidade e Residência

Como já explicado, em regra, a aplicação de qualquer medida de coação depende da prévia constituição de arguido. 

Esta medida de coacção, a menos gravosa, por colidir menos com os direitos constitucionalmente consagrados do arguido, visa garantir que este preste a morada para a qual será contactado para todas as diligências que deva ter conhecimento no processo. Esta medida é a única que pode ser prestada diante de órgãos de Polícia Criminal (OPC). 

Todas as demais medidas de coacção são aplicadas pelo juiz responsável pelos actos jurisdicionais – Juiz de Instrução Criminal (em fase de inquérito e em fase de instrução) e Juiz de direito, em fase de julgamento. 

E não poderia ser diferente, face ao confronto que existe entre a sua aplicabilidade e os direitos constitucionalmente consagrados, v.g. direito à liberdade – n.º 1 do 27.º artigo da CRP e 3.º artigo da DUDH.

A sua aplicação deve, também, ser regida pelo princípio da necessidade, adequação e proporcionalidade, conforme estatui o n.º 1 do 193.º artigo do Código do Processo Penal (CPP).

Deve ser, então, ponderada para além da necessidade – outra menos gravosa não se considera suficiente – adequada às exigências cautelares que o caso requer e proporcional à gravidade do crime e às sanções que possivelmente venham a ser aplicadas, razão pela qual, num grosso e livre exemplo, não fica em prisão preventiva a pessoa que pratica o crime de furto de uma garrafa de água pela primeira vez. Ainda que seja provável que venha a ser condenada, não se vislumbra que a sentença seja de pena efectiva face a factores, como ser arguido primário, ao valor diminuto do bem subtraído e à própria moldura penal do referido crime. 


A Obrigação de Permanência na Habitação 

A primeira necessidade para a aplicação desta medida é, grosso modo, fazer-se prever que a aplicação de outras menos gravosas não serão adequadas nem suficientes.

Por outro lado, não basta a existência de meros indícios da prática de um crime; os indícios têm de ser considerados fortes. 

A referida medida, dado as suas características de afectação da esfera da liberdade, tem um tratamento similar ao da prisão preventiva. Todavia, ela destaca-se da prisão preventiva, porque a sua aplicação atende apenas ao facto da existência de fortes indícios de crime doloso que tenha uma moldura penal aparente superior a 3 anos de prisão. 

Para além dos princípios já enunciados – necessidade, adequação e proporcionalidade –, é necessário que seja feita uma suposição de que a sua não aplicação possa concorrer para, pelo menos, algum dos pressupostos seguintes: 

  • Fuga ou perigo de fuga;
  • Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução no processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
  • Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas. 

Resulta, portanto, que a aplicação de tal medida carece, em concreto, de uma avaliação casuística para a avaliação dos fundamentos que a suscitam. 


A Prisão Preventiva

Tal como a Obrigação de Permanência na Habitação, a prisão preventiva carece que todas as demais medidas sejam de se esperar ineficazes, daí ser considerada de ultima ratio (lat. “último recurso/último instrumento”).

Impõe-se, como ponto de partida, o facto de que a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, tendo, igualmente, em conta que a sua aplicação não deve ser considerada, se outra medida mais favorável for suficiente para garantir as exigências processuais, conforme dispõe o n.º 2 do artigo 28.º da CRP e o n.º 1 do artigo 193.º do CPP.

Conforme explicado na medida anterior, existe um tratamento similar entre a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação, sendo que a aplicação da prisão preventiva, em regra, carece de uma moldura penal aparente, de máximo superior a cinco anos, resultando de crime doloso. 

Obedece, também, aos pressupostos anteriormente referidos: 

  • Fuga ou perigo de fuga;
  • Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução no processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova;
  • Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a actividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e tranquilidade públicas.

Ainda que a pena máxima seja superior a cinco anos de prisão, não bastará, per se, para que se promova a prisão preventiva, devendo, inequivocamente, ser feito um juízo de prognose – suposição ponderada, atendendo a todos os factos – que aufira, pelo menos, um dos perigos anteriormente referidos. 

Não invalida, por conseguinte, que o arguido, ainda que indiciado de um crime com a moldura penal estabelecida entre os oito e os 16 anos (v.g. homicídio) aguarde julgamento em liberdade, com o termo de identidade e residência, caso não se verifique nenhum dos perigos supracitados. 

A prisão preventiva, face ao seu carácter excepcional, funciona sempre como a última das medidas, não devendo ser aplicada, nem mantida, sempre que outras de menor gravidade puderem ser suficientes para acautelar as exigências do processo. 

É nessa óptica que se alicerçam as medidas de coacção, e não numa perspectiva de punição, portanto, se assim fosse, deixaríamos de ter um confronto de direitos e passaríamos a vergastar princípios constitucionais, como a presunção da inocência. 

São medias de coacção, portanto, as medidas necessárias e levadas a cabo para garantir a conclusão do processo penal, visando salvaguardar o interesse de todas as partes envolvidas, no mínimo confronto possível com os direitos, liberdades e garantias constitucionalmente consagrados. 

É, precisamente, na fronteira entre o direito a sacrificar e o direito sacrificado que se equilibram as medidas de coacção, visando, numa primeira abordagem, garantir que o processo penal conheça o seu fim, acusando ou absolvendo o arguido, em sede de julgamento.